segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Um chá frio


Não é coincidência, apenas saudade. Ou aquela velha opinião pré-formada (pré-conceito?) sobre o fato de que o ser humano pode nunca estar satisfeito no lugar onde está (ao menos na maior parte do tempo). O fato é que ultimamente ando sentindo umas saudades de Portugal, com a consciência de que nem estive tanto tempo assim, tão longe, a ponto de já querer ver essa foto aí de cima com as minhas retinas outra vez. Mas a vontade já bate.

Admito que ter assistido o Terra Estrangeira (do Walter Salles) outra vez, depois de tanto tempo decorrido desde a primeira vez que o vi, ajudou um bocado. Desde muito tempo eu já achava aquele filme lindo, cheio de sentido, recheado de alma e de poesia até o alto do gargalo, transbordando um certo senso confuso de identidade do qual eu apenas tinha uma ideia vaga. Mas que vim a compreender alguns anos depois. E confesso que assistir esse filme outra vez, depois de tanto tempo, tantos lugares, tantas pessoas e tantos momentos, teve um sentido completamente diferente, muito mais inteiro e muito mais meu. Mas que certamente mereceria mais espaço para ser discutido e escrito. Eu ainda coleciono as palavras que chegam lentas, uma a uma, para colocar em algum lugar desse espaço e falar sobre isso. Vou esperar.

E talvez, ler este post do Armando Antenore sobre a Saga Lusa da Adriana Calcanhotto também deixou esse gostinho. Me lembro de quando o livro saiu. Me lembro de ter visto entrevistas e críticas sobre o achado, me lembro de ter ficado curiosa para pôr as mãos nele, e me lembro de ter esquecido de me lembrar de comprá-lo para trazer na mala durante meu caminho de volta às terras onde canta o sabiá. E agora me lembrei de novo de que talvez seria uma boa coisa isso de não me esquecer do livro mais uma vez. Acontece.

Por falar em livros esquecidos, me bateu também uma vontade enorme de terminar os romances de Torga e os poemas de Pessoa e de Almeida Garret ainda por acabar. Quase posso me lembrar em que páginas deixei o marcador antes de devolvê-los ao lugar de onde vieram. Se não posso por enquanto me sentar sob o sol (pálido, a essa altura) e sobre o gramado dos jardins do Palácio de Cristal para me debruçar sobre um deles, ao menos posso retornar à leitura preguiçosa que foi interrompida. E talvez bebericando uma enorme xícara de chá preto, de menta ou de camomila - obviamente frio, dada a presente latitude.

E há tantas outras coisas que vêm à mente quando se lembram estas: conversas animadas regadas a risadas, café, SuperBock e uma dose de ginja na frente do centenário Piolho D'ouro (principalmente se depois de uma festinha de apartamento no estilo multilingue); os raios do sol da tarde se refletindo nos azulejos e na foz do rio à frente deles; as casas apertadinhas e a movimentação peculiar da rua de Cedofeita; a confusão de línguas amalgamadas por entre os corredores da Faculdade de Letras; as longas conversas regadas a vinho do Porto com housemates vindas de um país um pouco maior que BH; a casa da escolinha de samba perto da praça do Marquês... tantas coisas para ter saudade. Tanto, que na verdade acho que a saudade nem é de Portugal exatamente. É de ter tido muita sorte de ter estado lá no momento em que estive., de ter conhecido as pessoas que conheci e de ter aproveitado grande parte de cada momento. E o melhor de tudo é que tinha a consciência disso quando as coisas ainda estavam se desenrolando, na maior parte do tempo.

No fundo, acho que é disso que eu tenho falta: de viver cada momento sem tentar antecipá-lo nem apertar o rewind para refazer a cena (por maior que seja a compulsão de fazê-lo). E o melhor é que isso é algo que não depende de alguém estar mirando extasiado o espetáculo de um pôr-do-sol sobre o Douro com um cálice de vinho português em uma das mãos. Embora, é claro, uma dose de um bom tinto - ou uma xícara de chá frio - possa ser de grande ajuda. Daquelas que não é bom dispensar, sabe?

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