sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Last year in Marienbad

Ontem completaram-se exatos 365 dias desde que pisei no Porto pela primeira vez. Data muito especial esse 4 de setembro...
Ainda me lembro dos cheiros, das primeiras sensações, da curiosidade infantil e quase científica de conhecer um lugar que era o mais longe que eu já tinha ido de casa alguma vez... eu e meus 21 anos completos há não muito tempo, com malas na mão, muitas idéias na cabeça, uma coragem enorme e um país completamente desconhecido à minha frente. Me lembro do tempo que gastei entre mapas e perdida em ruas por onde hoje consigo serpentear de olhos fechados, o ter que me adaptar à ordenação desordenada da planta da cidade, o ter que adaptar um idioma que eu pensava conhecer tão bem, a pessoas novas, a hábitos novos, a responsabilidades novas... Hoje quando retrocedo um ano, vejo que além da evolução normal que uma experiência dessas dá a qualquer pessoa (mesmo que não queira), não consigo evitar as saudades da inocência do desconhecido, das sensações das primeiras descobertas, das primeiras grandes mudanças. As descobertas não cessaram, obviamente, mas acho por vezes que preciso recuperar aquela noção de que o tempo que tenho aqui é pouco e que não vai demorar muito a se esvair, e portanto, precisa ser aproveitado ao máximo. Sinto que poderia tê-lo aproveitado muito melhor do que o aproveitei, mas fico feliz de saber que ainda vou ter um tempo extra de fôlego e fazer algumas coisas que ainda não fiz, seja por displicência, seja por falta de tempo ou por falta de grana no bolso. Não que esteja com muito mais tempo do que tinha há um ano, uma diferença significativa na quantidade de euros na conta ou coisa assim. Mas acho que gerenciar os recursos de uma forma eficaz é uma habilidade que eu ainda tô pra aprender, embora já tenha tido muitas aulas práticas disso. E nem é preciso um curso de administração pra isso, que bacana. :-)
Acho que nada na vida vai pagar os momentos de intenso barulho, intenso silêncio, de intensas relações, de intenso aprendizado (e auto-aprendizado) e a recente e valiosa independência que, mesmo que seja um pouco relativa, gozo agora. É difícil falar e fazer um balanço das coisas, tudo parece simplista demais, etéreo demais, e nada consegue conter o que a gente quer dizer... Muito mais do que conhecer novos lugares, pessoas, livros e tudos (ou quase), o que continua a me intrigar é essa viagem para dentro, que só viajando para fora se pode fazer. Confesso que ainda tenho um pouco de medo de me perder nessa vastidão dos meus porquês, que são muitos e continuam a aumentar junto com as experiências, o se saber jogar com os bons e os maus inesperados, o reconhecer nas pessoas as pessoas que são e olhar pra frente com uma idéia do que quero e do que não quero, e agir e fazer as coisas como se cada dia fosse o último. Não sei se é meu sono ou a minha insônia, mas acho que de vez em quando a gente precisa escrever sobre qualquer coisa que vai na cabeça. O que tento fazer é ordenar os caminhos de rato que se abrem entre as idéias e fazer com que tudo siga um fio mais ou menos coerente. Nossa, que sono. :-)
Mas conhecer um pouco de como as coisas funcionam aqui, a intensidade da ligação de Portugal com a sua história, com os descobrimentos, enfim, acho que é meio complicado entender isso a fundo, porque, acho que assim como em Itália e outros países com mais de mil anos de idade, a história pesa muito, às vezes tanto que as pessoas não conseguem dissociar a glória do passado e a aventura do presente na própria maneira de ser. Tudo era tão melhor "nos tempos dourados da Revolução", "tá tudo se degringolando e não tem mais jeito", e coisas do tipo, que soa meio dissonante pra uma pessoa jovem que vem de um país quase não jovem quanto (dadas as devidas proporções!) e que, apesar de toda a merda acontecendo, dos roubos, das mortes, dos números de guerra civil nas capas dos jornais e das corrupções que acabam com o bom humor de qualquer cidadão, enfim, mesmo apesar disso tudo, ainda vê-se motivos pra festejar. Não que Portugal não tenha seus motivos e as pessoas não festejem, mas acho que o pessimismo é um pouco mais pungente e mais latente aqui... (ou talvez nem tanto, ou talvez muito mais que só um pouco, e eu com essa tentativa de mania pseudo-européia de ver as coisas não percebo diteito, vai saber) Além do mais, aquilo que a gente considera como política de "discriminação e segregação", classismo, you name it, é gritante. Mesmo. É ridículo ver calouros na faculdade chamando veteranos de "senhor doutor" e lamber os sapatos deles, e é quase tão estranho ter que tratar um professor pelo título e pelo sobrenome, ou escutar um sujeito dizendo que "porque o sujeito é africano então isso, isso e aquilo"... e mesmo ver gente de vez em quando te olhando torto por causa do tamanho do cabelo, do jeans largo ou por não se parecer com nada que já viram antes... (me parece que só o meu sotaque de Português - pra quem entende, claro - é que diz que eu venho do Brasil... a galera de Erasmus aqui acha que eu sou canadense, americana, sul-africana, o caralho a quatro, e ficam de boca aberta quando falo que vim da minha verdejante pátria sul-americana...). Acho que a sociedade aqui é extremamente hierarquizada. Tanto cuidado com os pronomes de tratamento, das tantas diferenças entre o "você" e o "tu", em ser impecável na forma de apresentação, em ter que usar certos termos e não outros, nas prioridades de tratamento... enfim. Sem falar no padrão de comportamento que conhecemos muito bem (acho que mesmo invariável em tudo enquanto é lado, quem sabe seja diferente em lugares como a Holanda e a Finlândia) do lance "seu nome, seu bairro", quase como um fala-povo mesmo... de as pessoas valorizarem mais o que vai na sua carteira do que aquilo que vai entre as suas orelhas. É o que você faz, e não o que você gosta que importa. E quando não se fala muito logo à primeira, fica ainda pior... enfim, mas o bom é que a vida Erasmus ultrapassa em muito esse peromenor. ;-)
E chega de escrever por hoje, que preciso recarregar meu léxico gasto!

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